quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Editorial

Estou publicando aqui um texto muito sóbrio e consciente de um colunista e advogado de Itororó, Djalma Figueredo, públicado no final do ano passado. Acho importante para quem busca entender a ação que motiva as atrocidades que assolam a região.

ACO 312, INDIOS CONTRA FAZENDEIROS

Está preste a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal a ACO 312, ação cível originária, proposta pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) para requerer a nulidade dos títulos de propriedades de terras localizadas entre os municípios de Camacã, Pau Brasil e Itaju do Colônia, os quais foram emitidos pelo Estado da Bahia em favor de inúmeros fazendeiros. Além da nulidade, a ação reivindica também uma área de terras de 54 mil hectares, para assentamento de cerca de três mil descendentes dos índios Pataxós Hã hã hãe, antigos habitantes da região.

A ação foi requerida em 1982, e não foi concluida em 20 de novembro último porque o Governo do Estado da Bahia solicitou ao STF a suspensão do julgamento, alegando precisar de tempo para garantir a segurança da região em conflito, face aos possíveis desdobramentos decorrentes da sentença final.

Em toda a região, a expectativa com o desfecho da questão que já dura 30 anos, é muito grande, principalmente entre os índios pataxós e os fazendeiros envolvidos no conflito. O julgamento está previsto para ocorrer assim que o Governo do Estado da Bahia retorne ao Supremo Tribunal Federal com a resposta sobre a segurança da região conflitada, o que, certamente, ocorrerá logo que termine o recesso do STF.

Creio que, dificilmente, os fazendeiros perderão esta questão. A tese da posse imemorial, arguida pelo Autora da ACO 312 que se fundamenta no princípio de que os índios são os reais donos da terra, uma vez que já a habitavam em passado remoto, já não possui muitos adeptos no Poder Judiciário.

A partir de 1961, surgiu uma nova orientação para a aplicação do direito constitucional dos índios, com o célebre voto do ministro Victor Nunes Leal, na ação em que o Supremo Tribunal Federal discutiu a constitucionalidade de uma lei do Estado de Mato Grosso que tentava reduzir a área tradicionalmente ocupada pelos índios Caidinéos.

A tese levantada pelo eminente jurista foi a de que, constitucionalmente, aos índios pertenceria o território ocupado por eles, na época da promulgação da Constituição Federal e, por essa razão, a posse indigena da referida área deveria ser respeitada pelo Estado e pela sociedade. Com esse fundamento, o STF afastou, por oito votos a dois, a possibilidade de redução das terras dos índios Caidinéos, e considerou inconstitucional a Lei nº 1077 de 1953 do Estado de Mato Grosso que dispunha sobre o assunto.

Creio que é por esse caminho que o STF deverá seguir ao julgar a questão entre os índios Pataxós e os fazendeiros da região de Pau Brasil, Camacã e Itaju do Colônia. Isto é, a Suprema Corte deverá considerar terras indígenas aquelas que já estavam ocupadas pelos Pataxós Hã hã hãe, na época da promulgação da Constituição de 1988.

Uma decisão contrária para a ACO 312 faria dos índios os únicos proprietários de todo o território nacional, onde os demais brasileiros, nascidos da miscigenação entre brancos, negros e índios seriam meros inquilinos, sujeitos a ser despejados de suas propriedades assim que alguma tribo as reivindicasse.

Essa impensável possibilidade, com certeza fundamentada na teoria da posse imemorial, firmaria jurispudência sobre o assunto e levaria o conflito entre índios e não índios a outras regiões, ainda que distantes dos municípios abrangidos pela ACO 312. No município de Ilhéus, por exemplo, mais precisamente na região de Olivença, a FUNAI está reivindicando a demarcação de terras indígenas, baseada nesta teoria que, se procedente, desalojará milhares de proprietários de imóveis rurais e urbanos.

Melhor esclarecendo, se a decisão do STF para o conflito entre os Pataxós e os fazendeiros da região formada pelos municípios de Camacâ, Pau Brasil e Itaju do Colônia, for de acatamento da posse imemorial para os índios, nada vai impedir que a FUNAI faça também a demarcação das terras indígenas, no município ilheense. E, se o fizer, na forma do Relatório por ela já elaborado para a região, uma parte da Vila de Olivença e diversos balneários, situados ao sul da orla marítima de Ilhéus, passarão automaticamente para o domínio dos índios.

Portanto, é possível prever que diversos conflitos sobre a posse de terras, entre índios e não índios, com consequências imprevisíveis, podem vir a ocorrer em qualquer parte do território nacional. Além disso, a decisão acarretará a obrigatoriedade de revisão do direito de propriedade e da confirmação de que todo e qualquer cidadão pode ser doravante desapropriado de suas terras, em benefício dos primitivos habitantes do país.

A relatora da ACO 312 é a ministra Carmen Lúcia que, além do senso de equilíbrio, tem demonstrado pelos julgamentos de que participou, ser dona de uma visão justa e moderna ao julgar questões polêmicas, como as que envolvem o direito dos índios. Por isso, é provável que seu relatório trate a questão estritamente no campo do direito, procurando contornar a paixão popular e evitar os interesses políticos que envolvem a delicada questão indígena no país.

Atualmente, a ideia mais aceita para a questão indígena é a de que o Estado, por meio das reservas legais, procure assegurar ao índio o seu habitat natural, garantindo-lhe o território em que possa retirar seus recursos alimentícios e viver segundo seus costumes e tradições. Mas é, também, exigência da sociedade que o Estado não busque desalojar o restante da população brasileira das cidades que construiu, e das terras que desbravou e tornou produtivas, em nome de um direito remoto, indefensável e que extrapola o bom senso. E, para isso, não é sequer preciso dizer que muitas situações de fato são irreversíveis; que muitos erros do passado, infelizmente, já não podem mais ser corrigidos, sob pena de se ver praticando erros ainda maiores.

Ao Poder Judiciário, como se sabe, ficou a tarefa de decidir os diversos conflitos que, por ventura, forem surgindo entre índios e demais brasileiros, pela posse da terra. E, para o melhor desempenho dessa missão, o que a sociedade espera do STF é que, neste julgamento, seja firmado um marco temporal definitivo, que venha servir de parâmetro a todos os outros julgamentos que envolvam índios e produtores rurais pela posse da terra.

Texto: Djalma Figueiredo

Esse texto pode ser encontrado na edição especial de fim de ano do Jornal Dimensão e no blog Itororó já.

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